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Polí­tica

Foto: Renato Cortez

Foto: Renato Cortez

Na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, na manhã desta quarta-feira, 26, o Projeto de Lei (PL) 490/2007 permite que o Governo Federal tire da posse de povos indígenas áreas oficializadas há décadas e escancara as Terras Indígenas (TIs) a empreendimentos predatórios, como o garimpo, e, na prática, vai inviabilizar as demarcações, totalmente paralisadas pelo governo Jair Bolsonaro. 

O PL já passou pelas comissões de Agricultura e Direitos Humanos. Nesta última, recebeu parecer contrário. Caso seja aprovado na CCJ, segue ao plenário e, se também for aprovado, vai ao Senado. O relator na CCJ é o deputado Arthur Maia (DEM-BA) e o autor, o deputado Homero Pereira (PR-MT), já falecido.    

A proposta altera o Estatuto do Índio (Lei 6.001/1973) e atualiza o texto da PEC 215, uma das maiores ameaças aos direitos indígenas que já tramitou no Congresso. O projeto permite a supressão de direitos dos indígenas garantidos na Constituição, entre eles, a posse permanente de suas terras e o direito exclusivo sobre seus recursos naturais.

O projeto de lei permite a implantação de hidrelétricas, mineração, estradas e arrendamentos, entre outros, eliminando a consulta livre prévia e informada às comunidades afetadas. A proposta permite retirar o “usufruto exclusivo” dos indígenas de qualquer área “cuja ocupação atenda a relevante interesse público da União”. Vai viabilizar ainda a legalização automática de centenas de garimpos nas TIs, hoje responsáveis pela disseminação da Covid-19, a contaminação por mercúrio, a destruição de nascentes e rios inteiros e o desmatamento. 

Marco temporal 

O projeto também aplica às demarcações o chamado “marco temporal”, pelo qual só teriam direito à terra os povos indígenas que estivessem em sua posse, no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, ou que estivessem em disputa judicial ou conflito direto com invasores. A tese desconsidera o histórico de expulsões, remoções forçadas e violências cometidas contra essas populações, em especial durante a ditadura. 

Os ruralistas argumentam que ela deve ser aplicada a todas as demarcações e que já faz parte da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), o que não é verdade. Pelo menos cinco ministros da Corte - Edson Fachin, Rosa Weber, Marco Aurélio Mello, Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski - já se pronunciaram em sentido contrário. Além disso, o STF prepara-se para votar um recurso extraordinário contra a reintegração de posse da TI Ibirama-Laklanõ (SC), caso alçado à condição de “repercussão geral”, que deverá definir a aplicabilidade ou não do marco temporal. Isso quer dizer que ele servirá como diretriz para orientar os procedimentos demarcatórios em todo o país.  

Outro entrave às demarcações previsto é a possibilidade de apresentação de contestações em todas as fases do complexo e demorado procedimento demarcatório. Questionamentos poderiam ser apresentados por municípios e estados, associações de fazendeiros e invasores. Hoje, a contestação pode ser feita por qualquer pessoa, em até 90 dias após a publicação do relatório de identificação elaborado pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

Retomada de terras

Se aprovado, o PL 490/2007 abre caminho para que a administração federal tome TIs “Reservadas”, caso julgue que o território não esteja sendo ocupado e usado adequadamente para a subsistência de seus moradores. 

A “Reserva Indígena” é um tipo de TI estabelecida para assegurar a sobrevivência física e cultural de um povo indígena, mas onde não foi reconhecida, necessariamente, a ocupação tradicional, conforme os conhecimentos técnicos antropológicos atuais. Isso acontece porque grande parte dessas áreas foi oficializada com base no Estatuto do Índio, de 1973. Muitas áreas compradas ou doadas aos povos indígenas também poderiam ser tomadas. De acordo com o ISA, há hoje no país 66 áreas nessas categorias, com população de quase 70 mil pessoas e uma extensão total de cerca de 440 mil hectares, o equivalente a quase 3 vezes a cidade de São Paulo.

Indígenas isolados

O PL 490 ainda abre brecha para o fim da política de “não contato” com os indígenas isolados, pois prevê contato por suposto “interesse público”, que poderia ser intermediado por “empresas públicas ou privadas” contratadas pelo Estado. A hipótese permitiria contratar missões religiosas extremistas, prática que deixou de ser adotada pelo Brasil desde a redemocratização. 

Desde o final dos anos 1980, a Funai estabeleceu que esses grupos sem contato oficial com o Estado devem ter a opção de fazê-lo, no momento e na forma que acharem conveniente. Em contrapartida, o governo deve proteger seus territórios de invasores e da degradação ambiental.