De longe, este texto pretende-se ensinar gramática, antes, volta-se para um fenômeno discursivo (que pode ser entendido como linguístico e social ao mesmo tempo) acerca do uso e do emprego de uma propriedade extremamente importante da língua: a adjetivação. O adjetivo é um qualificativo, que depende de um ser ou objeto, para ganhar representatividade discursiva, como, por exemplo, “o céu está azul”, “o cão é bravo” e “o carro é potente”. Em todos esses casos, o adjetivo funciona como uma expressão de características perceptíveis por quem enuncia tais sentenças, de modo que só podem ser tomadas como verdades se, e somente se, o qualificativo coincidir com a percepção do interlocutor no mesmo momento em que os enunciados são ditos ou escritos. Mas essa não é a única questão na formatação de uma sentença verdadeira, há seu aspecto histórico que jamais deve ser deixado de lado. Por exemplo, “o carro é potente”, dito em 1955, não possui as mesmas características do mesmo enunciado dito em 2025. É importante destacar que o enunciado é o mesmo, porém, sua relação com o mundo pode variar significativamente por meio da adjetivação.
Pode-se depreender do que se disse acima algumas coisas, entre elas, encontra-se o fato de que a adjetivação é uma propriedade linguística que pretende representar características perceptíveis tanto a quem a coloca em marcha quanto a quem a lê ou ouve. Além desse elemento bastante significativo, a historicidade (o momento, o tempo cronológico e o espaço sociocultural também estão aqui inclusos) do que se diz ou se escreve precisa fazer parte da própria utilização do adjetivo, de maneira a deixar o mais explícito possível do que se trata ao empregar tal qualificativo. Em outros termos, a simples expressão de um adjetivo, em certas circunstâncias, traz uma série de implicações.
Tome-se como exemplo o uso contemporâneo do adjetivo “fascista”. Originalmente, este termo remete a um regime político e ideológico específico, situado no tempo e no espaço, com contornos históricos e doutrinários claramente delimitados. Todavia, na circulação discursiva atual, o qualificativo “fascista” passou a ser empregado de modo elástico, muitas vezes como mero insulto ou como rótulo genérico para descrever qualquer atitude autoritária, ou até mesmo uma postura apenas discordante. Com isso, a historicidade (e seus efeitos semânticos vinculativos) do adjetivo perde-se, e sua função passa a ser menos a de qualificar com rigor e mais a de desqualificar o outro por meio de uma operação retórica de redução do adversário ao campo do inaceitável.
Esse fenômeno não se limita ao termo “fascista”. Expressões como “ditatorial”, “populista”, “golpista” “extrema direita”, “extrema esquerda” ou mesmo “nazista” também têm sido usadas de forma inflacionada no debate público, transformando-se em marcadores de posicionamento político e não mais em qualificativos que descrevem, com base empírica ou conceitual, um dado comportamento ou realidade. O resultado disso é duplo: por um lado, empobrece-se o discurso, pois substitui-se a argumentação racional pelo uso de etiquetas adjetivais; por outro, esvazia-se o próprio poder explicativo do termo, que perde densidade semântica ao ser aplicado indiscriminadamente.
Assim, ao contrário do que poderia parecer em um primeiro momento, não se trata de uma questão meramente linguística, mas de um problema de ordem discursiva, política e ética. A escolha de um adjetivo é também a escolha de um enquadramento, de um modo de ver e de fazer ver o mundo. Quando essa escolha não é acompanhada do devido cuidado histórico, conceitual e situacional, corre-se o risco de produzir não esclarecimento, mas ruído; não diálogo, mas polarização; não verdade, mas caricatura. Portanto, a impropriedade do uso de certos adjetivos no presente evidencia um fenômeno maior: a fragilidade do debate público, além de seu espraiamento por demais âmbitos da sociedade, em que a adjetivação deixa de ser uma ferramenta de descrição para converter-se em arma de ataque simbólico. Nesse ponto, a reflexão crítica sobre a linguagem revela-se indispensável não apenas para a preservação do rigor no uso das palavras, antes, para a própria qualidade da vida democrática.
*Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT).