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Opinião

Allan Gallo é professor de Economia na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Allan Gallo é professor de Economia na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Allan Gallo é professor de Economia na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Allan Gallo é professor de Economia na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

O debate sobre as reformas econômicas brasileiras dos anos 1990 costuma ser conduzido por narrativas simplificadoras, muitas vezes, baseadas em contrastes fáceis entre sucesso e fracasso. Uma análise mais cuidadosa, porém, revela que diversos pontos carecem de precisão quando confrontados com dados concretos e com o contexto institucional e internacional em que essas reformas ocorreram.

Primeiro, a crítica às privatizações ignora que muitas estatais acumulavam déficits elevados, exigiam pesados aportes fiscais e estavam sujeitas à má governança. O caso das telecomunicações é ilustrativo, pois em 1994 havia menos de 10 milhões de linhas fixas no país e, dez anos após a privatização, o número de acessos, incluindo celulares, ultrapassava 80 milhões, resultado de ganhos de eficiência e da expansão de serviços que o Estado sozinho dificilmente teria financiado.

Em segundo lugar, a abertura comercial não pode ser reduzida à noção de “desmonte industrial”. É verdade que alguns setores não alcançaram competitividade, mas o problema central esteve nos custos sistêmicos da economia brasileira, como a infraestrutura precária, a complexidade tributária e os juros persistentemente elevados em razão dos desequilíbrios fiscais. A perda relativa de participação da indústria deve ser compreendida também como parte de uma transformação global, marcada pela ascensão da China nas cadeias de valor, o que evidencia que não se tratou de um fenômeno exclusivamente nacional. Além disso, o crescimento do setor terciário e a terceirização de serviços antes internalizados pela indústria representam outra tendência internacional.

Terceiro, a estabilização monetária foi condição necessária para qualquer política de desenvolvimento. A hiperinflação corroía a renda, inviabilizava investimentos de longo prazo e distorcia preços relativos. Países asiáticos também enfrentaram choques inflacionários e só avançaram após estabilizarem suas moedas. No Brasil, a estabilidade de preços foi conquista fundamental para o crescimento do consumo e da intermediação financeira nos anos 2000.

Por fim, as comparações com países asiáticos costumam ignorar diferenças institucionais e geopolíticas decisivas, pois enquanto Coreia do Sul e Taiwan cresceram sob apoio militar e financeiro dos Estados Unidos em plena Guerra Fria, Singapura construiu sua prosperidade explorando uma localização estratégica única e a China conduziu reformas graduais sob um regime centralizado, de modo que tomar essas trajetórias como referência direta para o Brasil acaba sendo um exercício de ilusão histórica.

Os resultados das reformas foram heterogêneos, com avanços inegáveis em alguns setores e dificuldades persistentes em outros, e uma avaliação equilibrada desse período exige reconhecer tanto os ganhos concretos quanto os limites estruturais, ao mesmo tempo em que aponta para a necessidade de olhar para frente em vez de reduzir a história a uma simples narrativa de experimentos malsucedidos.

*Allan Gallo é professor de Economia na Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).