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Saúde

O Sintras acautela-se referente ao Ato Médico aprovado pelos senadores no último dia 18, que regulamenta a atividade médica, restringindo à categoria alguns atos como a prescrição de medicamentos e o diagnóstico de doenças. Até a aprovação, o processo tramitou cerca de onze anos no Congresso Nacional e foi discutido em 27 audiências públicas, e segue agora para sansão presidencial.

De acordo com o projeto aprovado estabelece que sejam atividades exclusivas do médico cirurgias; aplicação de anestesia geral; internações e altas; emissão de laudos de exames endoscópicos e de imagem; procedimentos diagnósticos invasivos; exames anatomopatológicos (para o diagnóstico de doenças ou para estabelecer a evolução dos tumores). Com as modificações aprovadas, não serão atividades exclusivas de médicos os exames citopatológicos e seus laudos; a coleta de material biológico para análises clínico-laboratoriais; e os procedimentos através de orifícios naturais em estruturas anatômicas, visando à recuperação físico-funcional e não comprometendo a estrutura celular e tecidual.

O Conselho Nacional de Saúde, observando que a saúde deve ser garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, aprovou a Recomendação CNS 31, de 12 de novembro de 2009 que recomendava ao Senado levar em consideração as garantias constitucionais relativas ao direito dos usuários do SUS ao atendimento integral e preservasse a autonomia dos profissionais de saúde, em favor da continuidade da prática de assistência integral, do acesso universal às ações de promoção, proteção e recuperação da saúde efetivadas a partir das politicas e dos programas do Sistema Único de Saúde.

O presidente do Sintras o enfermeiro Manoel Miranda, analisa que não pode descartar o pensamento de que o atendimento médico é realizado por uma equipe de profissionais. “É preciso que ao analisar a Lei a presidenta Dilma não esqueça que a saúde é feita por uma equipe multidisciplinar e que em todo o Brasil a falta de médico é gritante. Tem região que não tem este profissional nem para estratégia de saúde da família é o caso do Tocantins”, frisa o Miranda.

Em acordo com o pensamento do Conselho Federal de Enfermagem, Manoel Miranda acrescenta ainda que a Lei pode desarticular toda uma estratégia de saúde criada ao longo dos anos tendo como referência uma equipe multidisciplinar de saúde. “Não podemos rasgar os protocolos criado há anos”.

Histórico

Apresentado em 2002 pelo então senador Benício Sampaio, o projeto já saiu do Senado, em 2006, na forma de substitutivo da senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO), relatora na Comissão de Assuntos Sociais (CAS). Enviado à Câmara, foi modificado novamente e voltou ao Senado como novo substitutivo (SCD 268/02), em outubro de 2009. Esse foi o texto que serviu de base ao aprovado nesta terça.

Opiniões sobre o Ato Médico

Único a se posicionar contrariamente à matéria, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) disse não concordar com a ideia de se fixar uma lei para uma profissão tão dinâmica como a medicina. Em sua opinião, essa legislação corre o risco de ficar obsoleta em pouco tempo, já que a ciência médica está sempre em evolução. “Há no Brasil uma fúria regulamentadora de profissões. Sei que há uma briga pelo mercado de trabalho entre diferentes profissões que deveriam trabalhar conjuntamente, mas essa divisão, no meu entender, não comporta uma legislação”, protestou.

Já os senadores Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e Lúcia Vânia, que relataram o Ato Médico nas comissões temáticas, defenderam a proposta, ressaltando a sua importância para a saúde pública e para os profissionais da área. Valadares, relator da matéria na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), destacou que, das 14 profissões da área da saúde, apenas a profissão de médico ainda não era regulamentada.

Lúcia Vânia, relatora do substitutivo na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), observou que o Ato Médico não vai interferir em nenhuma das atribuições de outras profissões da saúde. Durante a tramitação da proposta, profissionais dessas áreas manifestaram preocupação com o texto do projeto e solicitaram clareza para limitar a prescrição do médico à área médica e, assim, liberar a autonomia profissional de outras especialidades, como fisioterapia, psicologia e enfermagem.

“Com o SUS, a população conquistou o direito ao cuidado integral à saúde, mas também à atenção social e coletiva, envolvendo os diversos profissionais das várias áreas de atuação. Isto só é possível quando a assistência é prestada por equipes multidisciplinares, muitas das vezes sendo necessária a atuação conjunta desde o diagnóstico até o tratamento, no sentido de somar os diversos conhecimentos e experiências para a intervenção e recuperação do doente”, avalia o presidente da CNTS, José Lião de Almeida, ao criticar a interferência do projeto na autonomia das demais categorias profissionais da saúde.

O Fórum das Entidades Nacionais dos Trabalhadores da Área de Saúde - Fentas também aprovou nota, a partir da Recomendação 31, considerando que a proposta fere os princípios e diretrizes do SUS, se contrapondo à Constituição da República Federativa do Brasil. Ferem, ainda, os direitos da população e a autonomia das profissões, evidenciando flagrantes retrocessos na conquista do modelo de saúde multiprofissional, universal, igualitário e integral. Considerou a regulamentação da profissão médica uma iniciativa legítima e importante, porém inadequada na forma do projeto. “Esta posição vem sendo reafirmada em todas as mesas de negociação, audiências públicas e diversas reuniões pelo conjunto das entidades e categorias de profissionais da saúde”.

O Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) avalia que, se o projeto for sancionado pela presidente Dilma Rousseff da forma como aprovado pelo Congresso deverá ter impacto negativo na rede pública de saúde, pois atos praticados cotidianamente pela enfermagem na rede pública de saúde passarão a ser proibidos. O Conselho cita como exemplos o diagnóstico de doenças como hanseníase, malária, DSTs, tuberculose e a prescrição de medicamentos para tratá-las, que seguem protocolos de atendimento do Ministério da Saúde; pedidos de exames para gestante; o acompanhamento dos pacientes com hanseníase, tuberculose, AIDS. Para o Cofen, haverá muita judicialização, que pode abarcar inclusive os direitos de enfermeiras realizarem o parto normal.

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) também vê prejuízos para a categoria. Humberto Verona, presidente da entidade, entende que o Ato Médico impede que psicólogos identifiquem sintomas de doenças como depressão e transtornos. "Por exemplo, num quadro depressivo há uma série de alterações no funcionamento da pessoa. No diagnóstico psicológico, o psicólogo não vai poder falar dessas alterações, porque seria fazer um diagnóstico. Como um profissional não vai poder fazer o nexo com o transtorno?", disse. Para respaldar a categoria, o CFP pretende editar uma resolução definindo os termos do diagnóstico psicológico – como feito hoje, antes da sanção do Ato Médico.

Questionado sobre os impactos do projeto nos programas públicos de saúde, o ministro Alexandre Padilha, da Saúde, afirmou que sua pasta inda precisa analisar o texto aprovado pelo Congresso. "O governo vai analisar o texto de forma que se valorize a profissão médica. Mas é muito importante manter o conceito de equipes multiprofissionais. Todos nós aprendemos, ao longo dos anos, a importância de uma equipe multiprofissional. Áreas como nutrição, psicologia, fisioterapia, terapia ocupacional, enfermeiros têm um papel muito grande no cuidado com o paciente", disse o ministro. Ainda não há clareza no governo sobre os impactos do projeto e a eventual necessidade de vetos.

O próprio Conselho Federal de Medicina (CFM), que respalda o Ato Médico, entende que haverá mudanças da rede pública de saúde, com a necessidade da presença de médicos nas equipes, para que façam o primeiro diagnóstico e a prescrição dos medicamentos. "Hanseníase, tuberculose, hipertensão são todos programas que devem ser cuidados por uma equipe. Defendemos o que a lei agora prevê: que o diagnóstico e a prescrição sejam feitos inicialmente pelo médico. Mas o enfermeiro pode repetir os remédios prescritos e pedir exames", defendeu Roberto D'Ávila, presidente do CFM. O conselho avalia que o texto não abarca a realização de acupuntura ou tatuagem e diz que, em casos de emergência, outros profissionais devem oferecer os cuidados ao paciente – o que não retiraria do gestor uma eventual responsabilização. O CFM pretende reunir os demais conselhos profissionais para discutir o cenário da saúde. (Com informações do Senado e Cofen)